quinta-feira, 24 de julho de 2014

Contract Brewing: uma alternativa criativa ou "morte da cerveja artesanal"?

Você sabia que muitas das cervejas que você toma não são feitas por uma cervejaria propriamente dita? Quer dizer, até são, mas de um ponto de vista físico, não criativo. Difícil de entender? Então vamos falar um pouco sobre a prática do contract brewing, modelo de negócios que já é uma realidade lá fora e está se popularizando no Brasil. Basicamente, o CB é um “aluguel” das instalações de uma cervejaria para a produção de uma cerveja que é propriedade de outra. Ele pode ser de três tipos, aceitando variações caso a caso (para entender ainda melhor, recomendo o artigo da Slate sobre o assunto):
  1. uma cervejaria aluga uma parte da unidade fabril de outra para produzir mais ou mais perto dos pontos de venda
  2. uma marca que não possui instalações próprias aluga as instalações de uma cervejaria para produzir seus produtos de criação própria
  3. produtores independentes alugam as instalações, a expertise e a mão de obra de uma cervejaria para fazer edições limitadas de uma cerveja
O modelo é uma saída criativa para aqueles que não tem condições de investir na estrutura – bastante cara – de uma cervejaria e, mesmo assim, poder entrar no mercado e também para as cervejarias que conseguem com isso rentabilizar sua eventual capacidade ociosa. Mas o que parece ser um caso clássico de “win-win situation” gera bastante polêmica no meio cervejeiro, com vários players do mercado sendo radicalmente contra a prática.
Lá fora, várias vezes alguma manifestação de um ou outro cervejeiro provoca a discussão. Ano passado, o dinamarquês Jeppe Jarnit-Bjergsø, da Evil Twin – célebre por fabricar seu extenso portfolio de cervejas em vários lugares do mundo, inclusive no Brasil – compartilhou uma foto no seu Facebook com a manifestação da nova-iorquina Singlecut, que diz que o “contract brewing será a morte da cerveja artesanal”. Nos comentários, um dos donos da Singlecut, Rich Buceta, tentou amenizar dizendo que o alvo de sua crítica foram as cervejas feitas fora da cidade que se dizem locais, apelando para o espírito “support your local brewery”, e que algumas experiências de CB são autènticas, mas são exceções à regra.
deathcontract
A última manifestação de peso foi a carta publicada por cervejeiros belgas no jornal Le Soir, em que eles afirmam que a tradição cervejeira do país corre perigo com o aumento das “cervejarias falsas”. Segundo a carta – assinada por nomes como Jean Van Roy (Cantillon), Kris Herteleer (De Dolle), Alexandre Dumont (Jandrain-Jandrenouille), Pierre-AlexMarie-Noëlle e Kevin Carlier(Brasserie de Blaugies), auto-denominados “cervejeiros genuínos” – as cervejarias sem equipamento se dedicam basicamente ao marketing, manipulando o consumidor através dos meios de comunicação e das redes sociais, em detrimento à arte de produzir cerveja (para ler a carta na traduzida na íntegra, veja o post do FullPintBr sobre o assunto). O cervejeiro daMikkellerMikkel Borg-Bjergsø, irmão de Jeppe, comentou o assunto com uma elegante ironia no Twitter.
tweetmikkel
Como já dissemos, o contract brewing vem se popularizando por aqui nos últimos anos. Grandes marcas já consolidadas, como a Coruja, até novatas como a 2CabeçasBarcoDUM e Júpiter, produzem suas cervejas em instalações terceirizadas. Nos casos citados, o contract brewing foi uma forma de cervejeiros caseiros poderem entrar no mercado sem o alto custo de investimento para a instalação de uma cervejaria (alguns dizem que o valor mínimo necessário pode chegar a 500 mil reais, no mínimo), mas também existem empreendedores que se valem dessa prática para produzir suas cervejas, mesmo nunca tendo botado a mão numa panela.
Falamos com alguns produtores brasileiros profundamente envolvidos na prática do contract brewing. Veja o que eles dizem sobre o assunto:
brunoschwinn“Tudo o que é feito visando somente o enriquecimento rápido, não dura, não se sustenta. Independente se é uma cervejaria com industria própria ou terceirizada, fazer mais do mesmo, sem buscar a inovação, a paixão, o trabalho em equipe, não vai longe. É fogo de palha. Agora, o que é feito com paixão, trabalho duro, persistência, trabalho de equipe, vai durar muito tempo e vai muito longe, independente do modelo de negócios. Deveríamos olhar para o monte de cervejarias (indústrias) que estão surgindo no Brasil, buscando somente pegar embalo na onda do momento, produzindo cervejas sem graça, sem alma e sem conhecimento sobre produto, sem fazer nada para ajudar o mercado, só pensando no benefício próprio. Isso sim deveria ser analisado e criticado. Mas se bem que essas aí não vão durar. Vão durar aquelas que fazem o negócio com alma, com verdade, independente do modelo de negócios.”
Bruno Schwinn, da Barco, que já produziu suas cervejas na Saint Beer (SC) e na Rasen (RS)
bernardo“Acho que é tudo uma questão de como a cerveja é concebida. Não vejo tanta diferença entre ser dono da cervejaria ou não, desde que você saiba o que está fazendo e como fazer. O mais importante é o resultado final. Acho que a maior preocupação dos belgas é terem pessoas estranhas produzindo na Bélgica e vendendo como cerveja belga. Nós não temos isso aqui, essa tradição. Muito pelo contrário, estamos aprendendo e criando um novo mercado, tanto de profissionais quanto de consumidores.”
Bernardo Couto, da 2Cabeças, que já produziu suas cervejas na Allegra (RJ), Magnus e Invicta (SP)
rodrigosilveira“Minha cervejaria nasceu com a intenção de atender cervejarias que estivessem com sua capacidade toda ocupada e também empresários ou cervejeiros caseiros que, por algum motivo, não possuem uma planta, seja para diminuir seu risco financeiro, ou por não entender a fundo como tudo funciona. Se para quem já está há anos no negócio é complicado, imaginem saber de Liberações Municipais, Alvarás, MAPA, Bombeiros, IVA, Pauta, PIS, COFINS e tantos outros temas pertinentes à produção de cerveja. Então porque não começar produzindo com quem possui toda a estrutura, alguém que entenda do tema, para depois decidir investir ou não alguns milhões? Este tipo de operação não denigre ou desqualifica quem está contratando estas produções. Alguém teria coragem de afirmar que Tuca Paiva, Bernardo Couto, Carlos Quintella, David Michelsohn, Victor Marinho, Bruno Couto, Bruno Brito, Luciano Silva, Leonardo Satt e tantos outros que já produziram comigo são apenas bons marqueteiros, que eles não conhecem nada sobre produção de cerveja? Bobagem, blasfêmia! Eles são sim artistas e conhecedores assim como eu. São sonhadores, carregam malte nas costas, tiram pedido, entregam suas cervejas em seus próprios carros. Então pergunto: por que não podem ter sua própria marca? Só porque não possuem uma planta cervejeira?
Com certeza precisamos ficar atentos. É bem provável que existam pessoas se aproveitando, copiando rótulos e tentando enganar consumidores. Neste caso, me junto aos meus pares cervejeiros e compartilho de suas preocupações. Mas vale lembrar que este tipo de operação possui estruturas frágeis que caíram com o passar do tempo, ninguém sobrevive sem ter plantado nada, isto é fato.
Já a estrutura dos meus amigos ciganos, esta garanto a vocês, darão bons frutos e no momento certo cada um deles poderá ter a sua própria fábrica, porque são apaixonados e querem sentir o prazer de pilotarem suas próprias plantas cervejeiras.”
Rodrigo Silveira, da Invicta, que já produziu cervejas da 2Cabeças, Velhas Virgens e da Jupiter, entre outras.
Para o consumidor brasileiro, o lugar ou o modo como a cerveja é feita parece não importar muito, já que a maioria das cervejas produzidas por esse modelo de negócios vem sendo aclamadas pela crítica e pelo público. Isso demonstra que, no frigir dos ovos, o que vale é o que está dentro da garrafa e não quem colocou o líquido lá dentro. A validade do modelo é comprovada no paladar do consumidor e, mesmo que seja clichê, quem não tiver competência, não vai se estabelecer, pouco importando se a cervejaria é física ou virtual.

Fonte: http://www.bebendobem.com.br/2014/07/contract-brewing-uma-alternativa-criativa-ou-morte-da-cerveja-artesanal/

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